quarta-feira, 10 de junho de 2009

Questão (inacabado)

Caminhávamos baixo àquele céu magoado quando me salta ao coração um sentimento em forma de pergunta e vai direto aos lábios, sem passar pela cabeça, rota que aliás é a menos longa e mais natural. Perguntei a ela então o quê poderia existir de mais triste que um quarto sem janelas. Respondeu dizendo que certamente haveria algo pior; depois franziu as sombrancelhas, ficou alguns segundos em silêncio e fez um bico, atualizando que não estava certa mas que, a princípio, no seu modo de ver, deveria sim existir qualquer coisa ainda mais terrível. Nos encontraríamos dali a alguns dias e reiterou que, apesar do trabalho, seguramente viria com a resposta, se houvesse uma. Eu sabia que, em caso afirmativo, ela a traria - sempre foi muito precisa.
O tempo passou um pouco coxo e dali a exatas duas semanas soa o telefone - era ela. Me diz que naquela mesma tarde a resposta apareceu, assim "como alguém que tem vida própria e decide as coisas sempre ao seu ar". Eu estava ansioso – confessei. Ficamos de tomar um café no dia seguinte.
Ela começou dizendo que não gostava para nada de questões dialéticas, mas que foi a saída que encontrou, mesmo tendo feito o raciocínio inverso:
- A única coisa que pode existir mais triste que um quarto sem janelas é uma janela sem quarto.
Duvidei; incialmente, só para ter minha parte no mérito da questão.
- E posso saber por que uma janela solitária é assim tão triste?
- Não te parece óbvio? Um quarto sem janelas, apesar de triste, continua sendo um quarto. Já uma janela sem quarto são 4 pedaços de madeira pregados.
- Talvez possa ser chamada de moldura e isso seria uma salvação, ou ao menos uma alternativa. Algo como uma pessoa que tem um diploma mas trabalha em outro setor por falta de opção…
- Moldura de quê, de vento? Uma moldura pressupõe uma parede. Ou você já viu um quadro flutuando?
Precisava de uma idéia e eis que, com um gole profundo de café, me surge:
- Um quadrado de madeira sem parede ainda assim tem a sua liberdade, a sua autonomia, o que lhe permite ser original. Mas o quê dizer daquela caixa claustrofóbica de seis lados cerrados?
- Você não entende, meu caro, a questão é mais sensível - uma janela sem parede é a crise por excelência. Vou tentar explicar. Se um quarto sem janela fosse uma pessoa pobre, a janela sem quarto seria uma pessoa rica que não faz nada com o dinheiro. Entende?
Ela estava, como sempre, dificultando as coisas. Eu:
-Pense em uma janela sem quarto, ela pode ser colorida. Um quarto sem janela só tem uma opção: branco. É a apatia, a anemia, a indiferenca…
Ela, enfim, vacilou:
- É, talvez… mas por que não poderiam pintar o quarto? Talvez um azul claro desse um aspecto mais aprazível…
Ela estava distraída, mexendo a colher no que restou do café e eu, claro, aproveitei:
- Me desculpe falar dessa maneira, mas agora você foi inocente. Por que alguém que tenha um quarto sem janela o pintaria ao invés de usar o dinheiro para colocar uma, o que lhe proporcionaría, ao menos, o dobro da alegria?
-Talvez estivesse preso…
-E preso tem tinta?
Esse foi o momento em que ela se irritou de verdade:

Um comentário:

  1. miniconto interessantíssimo!! só me incomoda o parênteses do título e os dois pontos do final... hehehe

    (ou seja: termina, vai!!)

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