Quiséramos dar um título mais apropriado a esta crônica, pois não se trata de um roteiro de viagens. Antes, de uma apreciação subjetiva das emanações invisíveis que nos visitam, a cada um, se sabemos estar dispostos a recebê-las. Em outras palavras, são impressões. Também não chega a ser um título banal. Quando dizemos “do” melhor, entenda-se no singular – é a melhor coisa de todas; e com o pior acontece exatamente o mesmo, mas ao contrário. Enfim, podemos dizer que é, de certo modo, um guia – o maravilhoso e o aterrador, se a intenção é ser dramático. Malditas sejam as introduções:
O pior. Sem sombra nenhuma de dúvida, mas com o nublado natural que pressupõe a opinião, o pior da Europa é o vento da primavera. Diria o verso: “É primavera, te amo”. Faz-se desnecessário comentar, está tudo dito – imaginar a primavera é mais ou menos como pensar em um arco-íris. Poderia “o vento da primavera” ser título de uma poesia? – é bem provável. Isso só sublinha o caráter sedutor (desonesto) dessa arte. Quer dizer, podemos pensar que o vento da primavera passará assobiando uma doce melodia, entoando cânticos entre os nossos fatigados ouvidos. Mas a realidade não é assim de feliz. Explico:
Para nós, a primavera é uma espécie de implante místico de uma cultura ancestral, isso porque, sendo generoso, do Rio de Janeiro para cima, as estações se embaralham de tal modo que o montante é sempre um sol. Por outro lado, é sabido que, na Europa, a primavera mexe realmente com o humor das pessoas, pois se dá adeus ao inverno para adentrar numa escalada da temperatura que culminará diretamente nas férias anuais. É uma estação de passagem. E as passagens são turbulentas. Para quem não viveu isso, posdemos dar um equivalente trabalhado durante algum tempo e que hoje resulta de uma aproximação tocante.
Imagine-se no domingo de manhã tendo um filho de dez anos. Você acabou de acordar, está lendo jornal. O dia lá fora está frio; dentro, agradável. Ele vem, mansamente. Você está entretido pensando descompromissadamente se termina a matéria ou tira o pão da torradeira. Ele se aproxima sorrateiro e, sem que você se dê conta, encosta toda a superfície da mão geladíssima (grande demais para a de uma criança, pequena de mais para a de um adulto) nas suas costas recém saídas das cobertas. Você grita de raiva. (Como alguém que esteve nove meses dentro da sua barriga pode fazer isso?) Eis o vento da primavera européia. É um absurdo. O tempo começa a esquentar, você supostamente pode andar de camiseta. Paramos no “supostamente”...
O melhor. Superada a metade traumática, podemos finalmente nos deleitar com divagações lúdicas. Usando o mesmo raciocínio anterior, mas agora inversamente, temos que o melhor da Europa são as janelas.
- Ei menina, sorria, deixa eu ver essa janelinha!
- Amor, tenho uma janela no trabalho – finalmente vamos poder tomar aquele café com torta de limão no meio da tarde!
- Os olhos são a janela da alma.
Esta última, aparentemente mais vulgar, não é menos eloqüente. Por que não são os olhos a porta da alma? Seria até mais prático, já que, além do maior campo de visão, a simples substituição de termos descomplicaria o livre trânsito amores e amizades. Solução: a praticidade é inversamente proporcional à lógica dos sentimentos – qualquer um que já tenha acompanhado com atenção uma novela sabe disso. Uma janela sempre pode ser pulada, com o risco romântico da caída. Enquanto esta é um objeto ternamente pudico, uma porta é escandalosamente depravada.
Ora, os primeiros arquitetos europeus sabiam disso. Não me pareceria de forma nenhuma estranho que fossem eles os inventores do verso “Tô te esperando na janela!”. (Outra vez cabe a comparação – por que não esperar na porta, que seria, antes de tudo, o mais lógico?). As janelas desse pedaço de terra têm um encanto especial! É possível que grande parte dele provenha do seu tamanho. Se juntarmos a isso o charme das pequenas bancadas, o que é fato se tornaria ainda mais contundente. A idéia pode ser resumida, grosseiramente, com o cálculo que segue: o tamanho das janelas lá, se comparados ao das paredes, é inversamente proporcional à mesma relação nas nossas cidades. Dito mais simples: eles têm mais janela e menos parede; nós, mais parede e menos janela.
O pintor Bonnard dizia sobre seu ofício: “o nosso Deus é luz”. A janela, nesse caso, seria um portal ou uma oração que faz a casa encher-se de radiante doçura. E o que dizer das cortinas, de diferentes bordados, cores e temperamentos? Das flores – intimamente ligadas às janelas como um beijo une a um casal? Não pára por aí: serenata, Rapunzel e até a heroicidade dos bombeiros – a liturgia das janelas transborda passagens comoventes:
- Tá chovendo lá fora...
- Abre a janela para a gente ouvir melhor!
O pior. Sem sombra nenhuma de dúvida, mas com o nublado natural que pressupõe a opinião, o pior da Europa é o vento da primavera. Diria o verso: “É primavera, te amo”. Faz-se desnecessário comentar, está tudo dito – imaginar a primavera é mais ou menos como pensar em um arco-íris. Poderia “o vento da primavera” ser título de uma poesia? – é bem provável. Isso só sublinha o caráter sedutor (desonesto) dessa arte. Quer dizer, podemos pensar que o vento da primavera passará assobiando uma doce melodia, entoando cânticos entre os nossos fatigados ouvidos. Mas a realidade não é assim de feliz. Explico:
Para nós, a primavera é uma espécie de implante místico de uma cultura ancestral, isso porque, sendo generoso, do Rio de Janeiro para cima, as estações se embaralham de tal modo que o montante é sempre um sol. Por outro lado, é sabido que, na Europa, a primavera mexe realmente com o humor das pessoas, pois se dá adeus ao inverno para adentrar numa escalada da temperatura que culminará diretamente nas férias anuais. É uma estação de passagem. E as passagens são turbulentas. Para quem não viveu isso, posdemos dar um equivalente trabalhado durante algum tempo e que hoje resulta de uma aproximação tocante.
Imagine-se no domingo de manhã tendo um filho de dez anos. Você acabou de acordar, está lendo jornal. O dia lá fora está frio; dentro, agradável. Ele vem, mansamente. Você está entretido pensando descompromissadamente se termina a matéria ou tira o pão da torradeira. Ele se aproxima sorrateiro e, sem que você se dê conta, encosta toda a superfície da mão geladíssima (grande demais para a de uma criança, pequena de mais para a de um adulto) nas suas costas recém saídas das cobertas. Você grita de raiva. (Como alguém que esteve nove meses dentro da sua barriga pode fazer isso?) Eis o vento da primavera européia. É um absurdo. O tempo começa a esquentar, você supostamente pode andar de camiseta. Paramos no “supostamente”...
O melhor. Superada a metade traumática, podemos finalmente nos deleitar com divagações lúdicas. Usando o mesmo raciocínio anterior, mas agora inversamente, temos que o melhor da Europa são as janelas.
- Ei menina, sorria, deixa eu ver essa janelinha!
- Amor, tenho uma janela no trabalho – finalmente vamos poder tomar aquele café com torta de limão no meio da tarde!
- Os olhos são a janela da alma.
Esta última, aparentemente mais vulgar, não é menos eloqüente. Por que não são os olhos a porta da alma? Seria até mais prático, já que, além do maior campo de visão, a simples substituição de termos descomplicaria o livre trânsito amores e amizades. Solução: a praticidade é inversamente proporcional à lógica dos sentimentos – qualquer um que já tenha acompanhado com atenção uma novela sabe disso. Uma janela sempre pode ser pulada, com o risco romântico da caída. Enquanto esta é um objeto ternamente pudico, uma porta é escandalosamente depravada.
Ora, os primeiros arquitetos europeus sabiam disso. Não me pareceria de forma nenhuma estranho que fossem eles os inventores do verso “Tô te esperando na janela!”. (Outra vez cabe a comparação – por que não esperar na porta, que seria, antes de tudo, o mais lógico?). As janelas desse pedaço de terra têm um encanto especial! É possível que grande parte dele provenha do seu tamanho. Se juntarmos a isso o charme das pequenas bancadas, o que é fato se tornaria ainda mais contundente. A idéia pode ser resumida, grosseiramente, com o cálculo que segue: o tamanho das janelas lá, se comparados ao das paredes, é inversamente proporcional à mesma relação nas nossas cidades. Dito mais simples: eles têm mais janela e menos parede; nós, mais parede e menos janela.
O pintor Bonnard dizia sobre seu ofício: “o nosso Deus é luz”. A janela, nesse caso, seria um portal ou uma oração que faz a casa encher-se de radiante doçura. E o que dizer das cortinas, de diferentes bordados, cores e temperamentos? Das flores – intimamente ligadas às janelas como um beijo une a um casal? Não pára por aí: serenata, Rapunzel e até a heroicidade dos bombeiros – a liturgia das janelas transborda passagens comoventes:
- Tá chovendo lá fora...
- Abre a janela para a gente ouvir melhor!
Bru... caraca....
ResponderExcluirVc escreve mtooooo!!!!
E não, vc não perdeu nadinha do português!
Vc falou td: o melhor e o pior. Isso me remeteu à terrível alergia que tive na primavera qdo morei em Salamanca e à todas as 500 mil fotos que tirei das janelas e sacadas européias que tanto amo...
Uau! pensei que ninguém ia ter paciência de ler... rs
ResponderExcluirÉ, Bruno. A janela é o meio-caminho. Ela envolve uma hesitação muito maior a ser vencida do que aquela que a porta inspira. Mas o que mais me encanta nas janelas é a contemplação que faz parte da essência delas. Você chega em uma janela, pára, olha. E a contemplação conduz naturalmente ao pensamento. Eu sou uma pessoa de janelas. A janela é a infância da reflexão.
ResponderExcluirgostei muito do texto!
ResponderExcluire as fotos que eu vi me deixaram com muita vontade de ir até lá ver pessoalmente.
escreve mais!
:)
Pues no pienso aprender portugues...
ResponderExcluirBlackR
haha, a tua descrição do vento da primavera na europa me fez lembrar o vento chileno, com a diferença de que lá eu peguei o pleno verão do comecinho de janeiro! rs mas acho que a pior parte foi que eu desencanei de passar protetor solar no rosto pq não percebia que tava me queimando, justo onde o buraco da camada de ozônio é maior... tá, a manezice foi minha, hehe
ResponderExcluirresumindo, o que eu queria dizer é: muito bom o texto!
moço, já passou do tempo de teres novidade
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